sábado, 10 de outubro de 2015

Quem foi Sade?

Não que Sade fosse santo. O homem que deu origem à palavra “sadismo” e passou um terço de sua vida preso teve, sim, suas experiências sexuais um tanto incomuns. E era um grande mulherengo. Mas não fez diferente de outros nobres de sua época. “Libertinagem é uma palavra típica do século 18 e ‘libertino’ é um tipo social da época”, afirma Eliane Robert Moraes, professora de Estética e Literatura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “O libertino era um aristocrata que desafiava os valores dos homens e de Deus”, diz Eliane, que é autora de, entre outros, Lições de Sade – Ensaios sobre a Imaginação Libertina.

Sade tampouco fez o que escreveu. Sua literatura deu abertura para uma série de mitos construídos sobre si. Como o de que, por exemplo, teria passado seus últimos dias encarcerado solitário, escrevendo com sangue e com as próprias fezes para substituir a pena que havia sido tirada dele, como mostra o filme Contos Proibidos do Marquês de Sade, de 2000. Na verdade, ele passou o fim da sua vida – tão obeso que os movimentos eram prejudicados – em um manicômio, mas ao lado da mulher e de uma amante, e escrevendo muito.

Sade foi obrigado pelo pai a casar-se com Renée-Pélagie de Montreuil. Filha de uma família de nobreza recente e com influência na corte, Renée tinha dois problemas, que se tornariam as perdições da vida de Sade: uma mãe muito poderosa e uma irmã mais jovem e mais bonita.

O primeiro escândalo na vida do marquês ocorreu cinco meses após o casamento. Em outubro de 1763, foi acusado pela prostituta Jeanne Testard de obrigá-la a renegar Deus e a realizar “atos de sacrilégio” com imagens cristãs enquanto mantinham relações sexuais. Acabou preso, mas, graças à influência da sogra, ficou na cadeia menos de um mês. A sogra ainda o livrou da forca em 1772, quando Sade intoxicou uma prostituta – em uma festinha, ofereceu à infeliz um bombom com um licor afrodisíaco e ela quase morreu.

Sua esposa sabia de suas traições, mas, mesmo assim, manteve-se a seu lado por 27 anos, além de dar-lhe três filhos. Um deles, Donatien-Claude-Armande, queimou quase todos os manuscritos e correspondências do pai após sua morte. Se Renée fechava os olhos para as escapulidas do marido, o mesmo não fazia sua mãe. De protetora, a sogra passou a perseguidora quando Sade revelou que mantinha um caso com a cunhada, Anne-Prospère. O casal fugiu para a Itália. Ela conseguiu localizá-los e pediu ao rei da Sardenha em pessoa, Carlos Emanuel III, que expedisse uma ordem de prisão contra o marquês – embora sem acusação alguma. A sogra ainda se incumbiu das despesas de seu cárcere forçado na fortaleza de Miolans, em Savóia, entre a Itália e a França. Em abril de 1773, o marquês conseguiu fugir.

Em 1775, outra confusão. Uma orgia envolvendo empregados do castelo, Sade e a própria mulher, Renée, veio à tona. O processo foi aberto pelo pai de uma das criadas que participaram da festa – além de enfrentar o marquês nos tribunais, ele deu dois tiros em Sade, que se salvou graças à má pontaria do atirador.

Em janeiro de 1777, a sorte do nobre mudou. A sogra conseguiu que o rei emitisse uma carta de prisão, chamada lettre de cachet. Dessa vez, por 13 anos. E também sem um crime propriamente dito. Até então, Sade era apenas um cara com uma vida amorosa apimentada. Na prisão, isso mudou. Lá – onde, ao todo, passou quase um terço da sua vida, lendo muito –, produziu toda sua obra. Em 1784, foi transferido para a Bastilha, onde escreveu contos e novelas (cerca de 50) e produziu seu primeiro romance, Os 120 Dias de Sodoma ou a Escola da Libertinagem, concluído em apenas 37 dias. Em 2 de julho de 1789, 12 dias antes da tomada da Bastilha, Sade foi transferido para o Sanatório de Charenton sem poder levar nada. Morreu sem saber que seus manuscritos foram achados por um guarda e publicados – mesmo que apenas em 1935.

Se existe uma coisa que o autor Sade não faz é poupar seus leitores. Inspirado nas “sociedades do amor” formadas pelos aristocratas de sua época para satisfazer desejos sexuais, o marquês escreveu a história de uma comitiva que realiza em um castelo as mais bizarras experiências sexuais. Grande parte da obra é dedicada à pedofilia e à descrição de práticas coprofílicas – com fezes humanas.

Em 1790, Sade foi anistiado pela Re­volução e deixou o manicômio. Foi quando Renée o abandonou. Dias depois, porém, o francês conheceu a mulher que seria sua companheira pelo resto de seus dias, Marie-Constance Renelle. E, com seus bens confiscados pela Revolução, envolveu-se na política: virou comissário para a administração de hospitais de um distrito de Paris. Três anos depois, voltou à prisão. A acusação agora era a de se recusar a punir e a condenar os réus: o marquês era malvisto pelos radicais revolucionários por sempre procurar o meio-termo e ser contra a pena de morte. Em liberdade, publicou A Filosofia na Alcova. No livro, conta a história de Eugénie, jovem que tem aulas de libertinagem em uma orgia entremeada por discussões filosóficas. Nele, faz uma irônica denúncia aos revolucionários. Acusado de “moderatismo”, escapou da guilhotina em julho de 1794.

Em março de 1801, com a França sob a batuta de Napoleão, Sade foi levado ao manicômio de novo – e nunca mais o dei­xou. Aos 74 anos, obeso, morreu em sua cela. Foi enterrado no cemitério de Charenton. Sua cova não tinha nenhuma inscrição, apenas uma cruz.

Fonte:http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pela sua participação!